APDI Associação Portuguesa de Direito Intelectual

QUEM SOMOS

Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão †

(1933-2022)

Jose-Oliveira-Ascensao

Presidente Honorário e Fundador da APDI

IN MEMORIAM JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO
(1932-2022)

DÁRIO MOURA VICENTE

José de Oliveira Ascensão deixou-nos a 6 de março de 2022. O seu falecimento representa uma perda irreparável para a Faculdade de Direito de Lisboa, em que formou várias gerações de juristas; e também para a Associação Portuguesa de Direito Intelectual, de que foi fundador e primeiro Presidente e que constitui uma das suas mais perenes realizações num domínio do Direito a que dedicou boa parte da sua produção científica. Ao evocar a sua memória é por isso incontornável a referência a estas duas dimensões fundamentais da sua vida.
Na intervenção que fez aquando da homenagem que lhe foi prestada pelo Conselho Científico da Faculdade de Direito por ocasião da sua jubilação, afirmou o Professor Oliveira Ascensão:

«Para me caracterizar, só tenho uma maneira: sou um professor da Faculdade de Direito de Lisboa. Sou isso, sou só isso, sou tudo isso, fui isso durante toda a minha vida. Dediquei-me integralmente à Faculdade, sentindo-me responsável por ela em todos os aspectos, como se fosse o único sobre quem recaísse essa responsabilidade. Porque considerei que ela representava um objectivo suficientemente importante para a ela consagrar toda a minha vida activa.»¹

José de Oliveira Ascensão dedicou, com efeito, toda a sua vida fundamentalmente à Faculdade em que se licenciou (em 1950) e doutorou (em 1962) e onde obteve a agregação (em 1969). Nela foi sucessivamente assistente (desde 1957), professor extraordinário (desde 1972) e professor catedrático (desde 1979). Exerceu o magistério com forte espírito de missão, tomando sobre si, sobretudo a partir do final dos anos 70, após o regresso do Brasil onde lecionara entre 1975 e 1979 na Universidade Federal de Pernambuco, as responsabilidades mais pesadas na condução dos destinos da Escola, com destaque para a presidência do Conselho Científico, que assumiu por três vezes.

A Oliveira Ascensão deve-se, por isso, muito do que ainda hoje caracteriza a Faculdade de Direito de Lisboa: a visão que nela prevalece sobre a sua missão educativa, o critério de exigência que deve pautar a atribuição dos graus por ela conferidos e o modo de recrutamento de quantos nela ensinam; a independência com que a Faculdade desempenha essa missão relativamente aos poderes constituídos e a outras esferas de influência que gravitam em torno dela; a importância nuclear que há mais de trinta anos nela se dá à cooperação com os demais países de língua portuguesa, que Oliveira Ascensão dirigiu na sua fase pioneira, aliás em condições muito difíceis; e a abertura ao ensino e à investigação em novos domínios do Direito e à investigação interdisciplinar, de que Oliveira Ascensão, mesmo quando já se aproximava da jubilação, foi um dos principais impulsionadores.
Destaca-se, entre as tarefas a que se abalançou, o projeto de criação de uma Escola de Direito Intelectual, que encontra nos seus escritos uma fonte incontornável de inspiração e na Associação por si fundada e dirigida durante vinte anos um instrumento fundamental de afirmação aquém e além-fronteiras.

Sobressai naqueles escritos a construção dos direitos intelectuais como direitos de exclusivo com caráter excecional, na medida em que através deles se instituem restrições ao princípio geral de liberdade que Oliveira Ascensão entende dominar a utilização dos bens incorpóreos e em especial as criações do espírito².

 

Os direitos de exclusivo apenas existem, para Oliveira Ascensão, na medida em que assim o reclame a função social que os justifica. Estão, por isso, necessariamente sujeitos a limites. Hoc sensu, não há, de resto, como o autor nunca se cansou de sublinhar, direitos absolutos, pois todo o direito subjetivo está sujeito a limites, intrínsecos ou extrínsecos.
Nesta conceção fundamental – que entronca na que Oliveira Ascensão expôs no seu Direito Civil: Teoria Geral³ – radicam múltiplos desenvolvimentos, que frutificaram designadamente nos seus ensaios sobre as questões mais candentes postas pelo advento da sociedade da informação à utilização dos bens imateriais.

A informação, escreveu Oliveira Ascensão, é livre: desde que adquirida licitamente, qualquer um a pode utilizar como desejar. Daí que sejam de repudiar todas as formas de apropriação individual da mesma, como a que o autor entreviu no denominado direito sui generis dos fabricantes de bases de dados.

Foi este pensamento inovador e fecundo – ao qual não é alheia, evidentemente, a própria mundividência do autor – que encontrou eco no trabalho académico de muitos dos que foram seus alunos e colaboradores e que hoje continuam o seu labor.

Mais do que uma referência intelectual, porém, Oliveira Ascensão fica para os que com ele trabalharam e privaram como um exemplo de retidão na vida académica – e este é talvez o seu mais relevante legado enquanto universitário.

 

1 «Palavras que proferi na homenagem que me foi prestada em sessão do Conselho Científico», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2002, pp. 415s.

2 Ver, entre muitos outros trabalhos, «Direito intelectual, exclusivo e liberdade», Revista da Ordem dos Advogados, 2001, pp. 1195 ss.

3 Cfr. Direito Civil: Teoria Geral, vol. III, Relações e situações jurídicas, Coimbra, 2002, pp. 87 e 270 ss.

4 Cfr. Estudos Sobre Direito da Internet e da Sociedade da Informação, Coimbra, 2001.

5 Cfr. «Direito de autor sem autor e sem obra», in: Ars ludicandi. Estudos em Homenagem ao Prof, Doutor

António Castanheira Neves (orgs. Jorge de Figueiredo Dias/José Joaquim Gomes Canotilho/Tosé de Faria Costa), Coimbra, 2008, pp. 87 ss. (p. 105).

Presidente Honorário e Fundador da APD

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